Juiz comenta sobre os desafios da Justiça no combate ao preconceito e à discriminação racial. Ao CB.Poder, ele afirma que questões de segurança pública, saúde e desigualdade social devem ser revistas pelo Judiciário e destaca a vulnerabilidade das mulheres negras

Correio Braziliense
10/11/2020

O juiz do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e membro do Fórum Nacional de Juízes e Juízas contra o Racismo e toda forma de Discriminação, Fábio Esteves, expôs alguns dos desafios do Judiciário na atuação do combate ao racismo e a discriminação racial. Em entrevista ao programa CB. Poder, parceria do Correio com a TV Brasília, ontem, o magistrado afirmou que o Judiciário está em um processo de transformação. “Nos últimos cinco anos, nós (magistrados) temos observado uma mudança de postura radical no Poder Judiciário”, defendeu. Porém, há muito a ser trabalhado. De acordo com Fábio, é preciso rever questões sobre segurança pública, saúde e desigualdade social, e principalmente o racismo estrutural.

“Nós temos um sistema de Justiça que, infelizmente, não dá conta dessas questões raciais”, destacou. “Mas, acredito que nós temos condições de desconstruir o racismo. Nós temos condições de nos desconstruir, no nosso dia a dia”, argumenta. Fábio Esteves também é fundador do I Fórum Nacional de Juízas e Juízes contra o Racismo e todas as formas de Discriminação (Fonajurd). O encontro ocorreu, em formato on-line, entre 19 e 23 de outubro e debateu a estrutura judiciária brasileira e as mudanças que precisam ser implementadas para reverter este cenário discriminatório racial no país.

O Judiciário brasileiro é racista?

Estamos em fase de transformação. Nos últimos cinco anos, temos observado uma mudança de postura radical, incluindo os membros da magistratura, as associações de juízes e o próprio poder Judiciário. Liderado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nós observamos algumas medidas, reflexões e práticas sendo implementadas para uma desconstrução de questões raciais institucionais.

Onde o racismo institucional se mostra mais presente?

Se mostra presente em várias perspectivas. Se mostra presente nos julgados e, de uma maneira mais global, na própria jurisdição. Costumo dizer que fica difícil nós termos credenciais democráticas quando o Judiciário oferece uma jurisdição para uma população que se declara 56% negra, portanto, parda e preta. Enquanto que a nossa magistratura, por exemplo, ainda não alcançou o percentual de 20% de juízes que se autodeclaram negros. Aliás, segundo o CNJ, para que cheguemos a 22,5% da magistratura brasileira parda e preta, nós levaremos 30 anos.

E a realidade da população negra no Brasil?

Tivemos a notícia da divulgação de um estudo que, infelizmente, confirma o Brasil como um dos países mais desiguais do mundo. E, é importante dizer que a população pobre, muito pobre, que é um contingente enorme, tem acesso a R$ 89 por mês como rendimento por pessoa na família. Nós temos 2,5 milhões de pessoas no Brasil vivendo com R$ 89. É importante dizer que esse quantitativo de pessoas é majoritariamente negra. E essa desigualdade racial e social se projeta em outros níveis, principalmente, na educação. Se você bloqueia o acesso à educação, você bloqueia qualquer tipo de mobilidade social.

O caso da Mariana Ferrer, se ela fosse uma jovem pobre e negra, o que o senhor avalia que poderia ter acontecido com ela?

Nós temos aí um outro recorte e ainda mais dramático. Quando nós olhamos para o sistema penitenciário brasileiro, com 69% da população carcerária negra, e também com a questão da violência. O mapa social da violência mostra que as mulheres negras são mais vítimas de violência doméstica do que qualquer outra pessoa, nós vamos perceber que o Judiciário precisa dar respostas mais enfáticas, mais pedagógicas. E que essas respostas começam pela própria reinterpretação da Justiça, enquanto instituição que tem de dar conta dessas demandas. Nós precisamos enfrentar isso. Nós temos um sistema de Justiça que, infelizmente, não dá conta dessas questões raciais. Basta olhar esses poucos números, temos números mais graves ainda, como por exemplo, a saúde da população negra que o Judiciário não se atentou para promover acesso de uma maneira mais geral. Nós temos a questão das crianças negras que sofrem um processo de discriminação muito violento nas escolas e fora das escolas. Nós temos o índice de mortes de jovens negros que também é abordado no Mapa de Violência no Brasil. E, nós temos um comprometimento com isso. O sistema de Justiça compreende várias instituições, a começar pela polícia. São defensorias públicas, Ministério Público, delegacias, todo esse conjunto de instituições.

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